Ficha
Poeta, sim, poeta...
Poeta, sim, poeta...
É o meu nome.
Um nome de batismo
Sem padrinhos...
O nome do meu próprio nascimento...
O nome que ouvi sempre nos caminhos
Por onde me levava o sofrimento...
Poeta, sem mais nada.
Poeta, sem mais nada.
Sem nenhum apelido.
Um nome temerário,
Que enfrenta, solitário,
A solidão.
Uma estranha mistura
De praga e de gemido à mesma altura.
O eco de uma surda vibração.
Poeta, como santo, ou assassino, ou rei.
Poeta, como santo, ou assassino, ou rei.
Condição,
Profissão,
Identidade,
Numa palavra só, velha e sagrada,
Pela mão do destino, sem piedade,
Na minha própria carne tatuada.
[de Câmara Ardente, 1962]
Tenho amigos em Portugal que o acham o melhor escritor português. Isso, no país de Pessoa, Camões ou Eça não é qualquer coisa. Eu não descobri até a última viagem a Portugal, em Novembro no ano passado. No domingo apanhei “Bichos” e o seu romance mais importante, “A Criação do Mundo”. O cão Nero, o gato Mago, o sapo Bambo, o famoso Miura, mas também Madalena, Ramiro e o Senhor Nicolau, quase outra metamorfose. Animais humanos e humanos animalizados. Se ainda não leram, apanhem-no.
Chamava-se Adolfo Correia Santos, escolheu o pseudônimo pelos dois Miguel que admirava –Cervantes e Unamuno- e pela forte planta brava de montahna, típica da paisagem da sua terra e os seus mundos literários de Trás-os-Montes. Teve uma vida dura, como os seus personagens: em 1917, aos dez anos, marchou para Porto e fez todo tipo de tarefas numa casa de parentes da sua família. Foi despedido num ano pela sua insubmissão e atendeu dois anos ao Seminário, muito importante na sua formação. Emigrou para Brasil em 1919, com doze anos para trabalhar na fazenda do tio, na cultura do café. O tio recompensou os seus cinco anos de serviço pagando os seus estudos de Medicina em Coimbra, onde começa também a sua atividade literária.
A sua insubmissão levou-o a romper com publicações literárias, e a criticar a praxe e tradições acadêmicas, e também a ditadura de Salazar (e de Franco, na Criação do Mundo). O resultado foi a expulsão da sua mulher, a belga Adrée Crabbé, da universidade, onde ensinava francês. Ao chegar a República, solo e orgulhoso, também declinou as ofertas e homenagens.
Acreditava numa identidade ibérica –há duas antologias de Poemas Ibéricos-, não numa união, mas em Portugal e Espanha com uma identidade forte dentro de Europa. Teve uma grande presença em Espanha e a sua morte em 1995 teve um importante impacto.
Até então foi o eterno candidato português ao Nobel, que sem dúvida merecia. Recebeu o Prémio Camões em 1989.
É um prazer ler a Torga pelo seu uso particular da língua. Um dos meus colegas –e, ainda, amigo- diz que não gosta de um livro se o autor não lhe obriga a apanhar o dicionário. Torga é um destes, sem dúvida nenhuma.
Li “Bichos” em Dezembro, e agora estou com “A Criação do Mundo”. Ofereceram-me “Portugal” e recomendaram-me os “Diários”. Também li uma antologia pequenina bilíngüe da sua poesia: “La Única Paz Posible es no Tener Ninguna”. O homem que escreveu esta frase é mais do que um autor do que gostas.
É um prazer quase maior ouvi-lo (.http://www.youtube.com/watch?v=28b3aLAdHFU). Este blog é outra coisa com a voz e a enorme presença de Torga, que começa a falar da sua homenagem á mulher de Trás-os-montes e termina a falar da sua missão como escritor.
Enrique, 2ºNA.
Links:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Miguel_Torga
http://www.elmundo.es/papel/hemeroteca/1995/01/18/cultura/23530.html
[de Câmara Ardente, 1962]
Tenho amigos em Portugal que o acham o melhor escritor português. Isso, no país de Pessoa, Camões ou Eça não é qualquer coisa. Eu não descobri até a última viagem a Portugal, em Novembro no ano passado. No domingo apanhei “Bichos” e o seu romance mais importante, “A Criação do Mundo”. O cão Nero, o gato Mago, o sapo Bambo, o famoso Miura, mas também Madalena, Ramiro e o Senhor Nicolau, quase outra metamorfose. Animais humanos e humanos animalizados. Se ainda não leram, apanhem-no.
Chamava-se Adolfo Correia Santos, escolheu o pseudônimo pelos dois Miguel que admirava –Cervantes e Unamuno- e pela forte planta brava de montahna, típica da paisagem da sua terra e os seus mundos literários de Trás-os-Montes. Teve uma vida dura, como os seus personagens: em 1917, aos dez anos, marchou para Porto e fez todo tipo de tarefas numa casa de parentes da sua família. Foi despedido num ano pela sua insubmissão e atendeu dois anos ao Seminário, muito importante na sua formação. Emigrou para Brasil em 1919, com doze anos para trabalhar na fazenda do tio, na cultura do café. O tio recompensou os seus cinco anos de serviço pagando os seus estudos de Medicina em Coimbra, onde começa também a sua atividade literária.
A sua insubmissão levou-o a romper com publicações literárias, e a criticar a praxe e tradições acadêmicas, e também a ditadura de Salazar (e de Franco, na Criação do Mundo). O resultado foi a expulsão da sua mulher, a belga Adrée Crabbé, da universidade, onde ensinava francês. Ao chegar a República, solo e orgulhoso, também declinou as ofertas e homenagens.
Acreditava numa identidade ibérica –há duas antologias de Poemas Ibéricos-, não numa união, mas em Portugal e Espanha com uma identidade forte dentro de Europa. Teve uma grande presença em Espanha e a sua morte em 1995 teve um importante impacto.
Até então foi o eterno candidato português ao Nobel, que sem dúvida merecia. Recebeu o Prémio Camões em 1989.
É um prazer ler a Torga pelo seu uso particular da língua. Um dos meus colegas –e, ainda, amigo- diz que não gosta de um livro se o autor não lhe obriga a apanhar o dicionário. Torga é um destes, sem dúvida nenhuma.
Li “Bichos” em Dezembro, e agora estou com “A Criação do Mundo”. Ofereceram-me “Portugal” e recomendaram-me os “Diários”. Também li uma antologia pequenina bilíngüe da sua poesia: “La Única Paz Posible es no Tener Ninguna”. O homem que escreveu esta frase é mais do que um autor do que gostas.
É um prazer quase maior ouvi-lo (.http://www.youtube.com/watch?v=28b3aLAdHFU). Este blog é outra coisa com a voz e a enorme presença de Torga, que começa a falar da sua homenagem á mulher de Trás-os-montes e termina a falar da sua missão como escritor.
Enrique, 2ºNA.
Links:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Miguel_Torga
http://www.elmundo.es/papel/hemeroteca/1995/01/18/cultura/23530.html
2 comentários:
Obrigada, Enrique, realmente este blogue é outro agora que tem nele as palavras de Torga - e não há outro quando precisamos da sensação insubstituível do amor telúrico, da dureza do mundo, da paixão pela vida e pela escrita.
Comecei, também eu, pelos "Bichos", aos 12 anos e ainda hoje Torga não parou de me maravilhar. Eu também tenho uma exigência para com os autores que leio (como o teu amigo) têm que ser capazes de me surpreender quando acho que já os conheço perfeitamente. Torga é, obviamente, um deles.
Susana
Obrigado pelo excelente comentário. Fiquei exausto quando, há alguns anos, li 'A Criação do Mundo': que bela leitura (e, às vezes, que dura: ainda me lembro dalguma cena da Espanha da guerra civil).
Agora, aproveito para colocar esta citação: "La elección de Miguel por nombre fue un homenaje a tres escritores españoles heterodoxos: Miguel de Molinos, Miguel de Cervantes y Miguel de Unamuno", in César Antonio Molina, 'Sobre el iberismo y otros escritos de literatura portuguesa', p. 185.
E uma recomendação, o número 13-14 da revista Espacio/Espaço Escrito, Badajoz, 1997, dirigida por Ángel Campos e dedicada a Miguel Torga e Ángel Crespo.
Chema DG
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